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Philippe Debarle, o nosso apaixonado repórter de longa data, conta-nos a génese do WSBK, no qual teve um papel mais do que activo…


 Campeonato Mundial de Superbike: a criação

Philippe Debarle: “Tendo viajado por todos os Estados Unidos em 1973 e 74 para ver o campeonato AMA, tornei-me amigo de muitos pilotos. Um deles, um particular que pilotava uma Yamaha TZ750-A, foi chamado Steve McLaughlin. Quando a classe Superbike chegou aos Estados Unidos, ele correu e venceu pela BMW e Yoshimura.


Steve McLaughlin, #83, Daytona 1976

Voltei para a Europa e nosso relacionamento ficou distante. Então, no início da década de 80, Jim França, o chefe das motocicletas em Daytona, pediu a Steve que encontrasse uma solução para devolver o brilho às 200 Milhas, onde corríamos com 500 dois tempos, 750 dois tempos e Superbikes. Já não parecia muito. Jim então pediu a Steve que encontrasse uma solução e este propôs a criação de um Campeonato Mundial de Superbike. A ideia agradou Jim, que votou por um orçamento de US$ 50 mil para financiar o projeto. Steve, um Yankee puro, procurava um parceiro com um pouco mais de conhecimento internacional em motociclismo e pensou em mim. Tendo organizado a primeira corrida de arrancada na França em Le Mans em 000 com o ACO, depois outra em Monza, e depois a primeira corrida de Supermoto fora dos EUA em Carole em 1980, aceitei com prazer.

As corridas de Superbike foram criadas pelos australianos, com base nos grandes motores japoneses de 4 cilindros com cerca de 1000 cm3. Depois a fórmula foi importada para os Estados Unidos. Tudo o que faltava era torná-lo global. Devemos lembrar a situação da época e porque foi criado o campeonato mundial de Superbike. Entre os motivos mais importantes, foi preponderante o domínio quase total das raças pelos japoneses. Os fabricantes japoneses não só venceram tudo no GP em meados dos anos 80, mas também venceram no enduro, no motocross, no enduro e até nas provas. Os fabricantes japoneses entenderam muito bem que, em comparação com os entusiastas de motocicletas europeus e americanos, esta situação era prejudicial às motocicletas em geral. Eles aceitaram, portanto, uma desvantagem técnica muito grande em comparação com os outros quando Steve McLaughlin e seu servo os procuraram em 1984 para propor a criação de um campeonato mundial de Superbike. Julgue a diferença: os não-japoneses tiveram que fabricar 500 cópias para aprovação, em comparação com 5000 para os japoneses. Europeus e outros americanos tinham direito a 1000 cc em comparação com 750 da Honda & co. Quanto ao peso, era de 140 kg para os ocidentais, contra 165 para os orientais.

A diferença era obviamente enorme, mas era condição para poder interessar três fabricantes de renome: Harley-Davidson, BMW e Ducati. Harley aproveitou a chance e Mark Tuttle encomendou instantaneamente um gêmeo de corrida de Mark Miller. Este magnífico motor foi entregue no prazo, mas as coisas se arrastaram administrativamente e o VR 1000 encomendado em 1988 e entregue em 1993 só correu em 1994 para encerrar a carreira em 2001, ainda no campeonato AMA. Na BMW, a competição não interessava aos alemães. O que restou foi a Ducati e seu chefe extrovertido, megalomaníaco e amigável Gianfranco Castiglioni. Apelidado de “César” pela imprensa italiana, ele gostava de chegar de helicóptero entre os jornalistas durante a apresentação de um novo modelo. Seu grupo Cagiva acabara de adquirir a Ducati e ele procurava uma forma de divulgar sua nova marca.

Um dia, em seu grande escritório, foi convidado a participar desse novo campeonato que estava sendo criado: “Olha Gianfranco, você tem direito a 140 kg para 1000cc, contra 165 para 750 para os japoneses. E mais, você só tem 500 cópias para fazer, em comparação com 5 delas.
– Poderia enquadrar-se num projecto de um jovem engenheiro, Massimo Bordi, que acaba de me oferecer um motor de 4 válvulas, refrigerado a água, com injecção electrónica (nota do editor: as Ducatis da época eram de 2 válvulas, refrigeradas a ar , carburado). O problema é que teria de vender uma moto destas por 40 euros (equivalente a 000). Nunca venderei 2017 motos por 500 euros. Seria um golpe afundar a Ducati.
– É a única solução para a Ducati ser campeã mundial.
– OK, eu assino. Mas se a caixa vazar, vou culpar você. »


Massimo Bordi – Crédito da foto: Bruno de Prato

O problema era, portanto, vender as famosas 500 máquinas. Mas para o organizador do campeonato o problema era antes de tudo que eles existiam, para aprovação. “A propósito Gianfranco, somos nós que contamos as 500 motos” (e não a federação italiana, conforme previsto no regulamento da FIM). Foi assim realizada uma primeira inspecção, que permitiu totalizar 300 motos fabricadas e 200 conjuntos de peças essenciais (motores, chassis, etc.) pelo que o total de 500 foi bom. Só faltou vendê-los…

Alguns meses depois, em outubro, por volta das 20h, quando já estava escuro, passamos para ver Gianfranco. À noite, quando a fábrica de Borgo Panigale estava fechada e deserta, era preciso passar pelo hangar do lado direito para chegar ao escritório. Atravessar o hangar, onde anteriormente tínhamos contado as 500 Superbikes… espanto! Os 500 exemplares estavam lá, no hangar! Ele não tinha vendido nenhum...

Quando chegamos ao seu escritório, não ficamos orgulhosos. “Ah, meus amigos, que alegria revê-los, exclamou Gianfranco, Bem-vindo ! Mas por que você está fazendo essa cara?
– Passamos pelo hangar. Vimos as 500 motocicletas. Você não vendeu nenhum?
– Ah, esses? Vendemos todos os primeiros 500. Estas são a segunda série de 500! »

A Ducati gostou muito do Mundial de Superbike.


Douglas Polen

A Ducati pode ter chegado com a excepcional Superbike 851, mas os japoneses iam dar-lhe uma réplica de qualidade, nomeadamente com a fabulosa Honda RC30, a primeira máquina com a qual a HRC ganhou dinheiro. Na Honda também gostamos muito do Mundial de Superbike… E diante da gêmea italiana, a Suzuki apresentou o maior esportivo de toda a sua história: o GSX-R.

O campeonato deveria começar em 1987, mas a Yamaha atrasou a produção do seu novo carro esportivo YZF750. Por sugestão dos outros fabricantes japoneses, foi então decidido adiar o início do campeonato para 1988. Aliás, não é certo que tal gesto de cortesia seja facilmente renovável hoje.

Só faltou arriscar e oferecer este novo espetáculo aos aficionados de todo o mundo. Mas será que as motos próximas da série agradariam aos fãs, acostumados com as GP 500? (Além disso, ninguém esperava em 1988 que menos de quinze anos depois, os fabulosos 500 tempos a 2 tempos seriam substituídos por 1000 tempos a 4 tempos, a cilindrada tradicional da Superbike). A verdadeira prova em tamanho real aconteceu no dia 8 de maio de 88 em Hockenheim, onde as motocicletas percorriam o estádio entre as arquibancadas lotadas. Durante a volta de aquecimento, os 4 cilindros japoneses foram gradualmente se posicionando no grid, examinados de perto pelos numerosos espectadores. Então veio o 851 Marco Lucchinelli, cujo motor podíamos ouvir claramente a todo vapor nas longas retas da floresta. Quando o italiano reduziu a marcha, todos descobriram um ruído até então desconhecido: o do motor bicilíndrico de grande cilindrada acelerando muito. Todos os espectadores levantaram-se instantaneamente e aplaudiram triunfantemente a Ducati, uma “ovação de pé”, como dizem os falantes de inglês. Foi vencido.


Marco Lucchinelli e Gianfranco Castiglioni, 1988

No acordo que fizemos com os japoneses, eles concordaram em não ter equipe de fábrica por 10 anos. Eles respeitaram perfeitamente o acordo informal, e este ainda é o caso da Honda (representada por Ten Kate), Yamaha (Crescent) e Kawasaki (Provec).

No primeiro ano (em 1988) a Honda deu-nos todo o equipamento de fábrica (RC 30) para cinco pilotos à nossa escolha. Selecionamos, portanto, Virginio Ferrari, Roger Burnett, Malcom Campbell, Monsieur Joey Dunlop (quem o conheceu entenderá o motivo de “Monsieur”) e Fred Merkel que conquistou os dois primeiros títulos mundiais.

Por que se tornou um Campeonato Mundial? A negociação com a FIM não foi fácil. É simples: eles não queriam falar conosco! Então, um dia, em Genebra, fiquei tão farto que, durante um intervalo para o café durante um congresso da FIM, encurralei o chefe do CCR na época. Luigi Brenni Em um canto. Steve McLaughlin me disse que eu estava louco, que não deveria fazer isso. Mas como a conferência estava chegando ao fim e a paciência não adiantava, eu disse a ele que essa era a solução definitiva.
Preso, no sentido literal do termo, Luigi Brenni irritou-se: “Chame suas corridas de World Series ou algo assim e deixe a FIM em paz.
- Nunca. Para nós que somos motociclistas, o termo Campeonato Mundial significa algo e é muito importante.
– Bom, temos que terminar nossa reunião às 17h, mas terminaremos antes disso. Venha nos apresentar seu projeto às 16h30.

Foi assim que o Campeonato Mundial de Superbike se tornou o primeiro evento para o qual a FIM vendeu os direitos televisivos e comerciais. Apesar da primeira abordagem “hussarda”, posteriormente nos tornamos amigos de Luigi Brenni, que até nos convidou uma noite para dormir em sua casa na Suíça. Foi a primeira vez na vida que dormi com uma submetralhadora carregada na mesinha de cabeceira (tradição suíça).

O final desta grande aventura ocorreu no Outono de 1988. O campeonato foi fantástico, com corridas em Donington, Hongaroring, Hockenheim, Zeltweg, Sugo, Le Mans, Estoril, Oran Park (Austrália, dupla vitória para um jovem chamado Mike Doohan na Yamaha) e Maifeild (Nova Zelândia). Para um campeonato pequeno para iniciantes, não foi tão ruim. Depois o nosso financiador, uma empresa de publicidade neozelandesa pertencente a um grupo imobiliário, faliu após a crise imobiliária do final de 88. Mas não importava, o mais importante foi feito: o campeonato mundial foi criado.
Steve e eu não ficamos ricos com isso, esse não era o objetivo. Contribuímos com o máximo que pudemos trazendo um pouco mais para o motociclismo que tanto amamos. Isso não é ruim. »

Philippe Debarle

Crédito da foto da capa: Andy McGechan por Bikesportnz. com